Investimento pesado e vacina de Covid com tecnologia acelerada

A corrida por uma vacina contra a Covid-19 trouxe à tona uma questão que não havia sido muito debatida até então: o tempo e os custos para o lançamento e produção da vacina.

Houve alguma estranheza quando, recentemente, empresas farmacêuticas e institutos de pesquisa começaram a anunciar os resultados da pesquisa clínica com vacinas para o novo coronavírus poucos meses após o início dos testes. Dois fatores principais, no entanto, explicam essa velocidade: dinheiro investido e tecnologias pré-existentes.

Não há muito segredo sobre o dinheiro: quanto mais recursos empregados, mais rápido são realizados os exames clínicos, divididos em três fases, que, ao todo, podem demandar dezenas de milhares de voluntários.

Só os Estados Unidos investiram mais de US $ 10 bilhões (US $ 50 bilhões) no desenvolvimento de vacinas. O consórcio Covax Facility da Organização Mundial da Saúde (OMS), que visa garantir aos países acesso mais equitativo às vacinas, também quer arrecadar US $ 2 bilhões (R $ 10 bilhões) para cumprir seu objetivo.

A União Européia investiu mais de 500 milhões de euros (R $ 3,1 bilhões) para financiar o desenvolvimento de vacinas. Além disso, os governos francês e alemão injetaram recursos nos laboratórios próprios Sanofi Pasteur e Curevac, na ordem de EUR 200 milhões (R $ 1,2 bilhão) e EUR 300 milhões (R $ 1,8 bilhão), respectivamente.

A Sinovac, fabricante do Coronavac, vacina chinesa testada em conjunto com o Instituto Butantan, acaba de receber um investimento de mais de US $ 500 milhões (R $ 2,5 bilhões) para impulsionar o novo medicamento.

Muitos e abundantes investimentos fazem sentido. Pelos cálculos da OMS, há uma perda global de US $ 375 milhões (R $ 1,9 bilhão) a cada mês que estamos imersos na pandemia.

O outro termo importante para essa equação de chegada da vacina é a obtenção do próprio imunizante, por meio de pesquisas científicas.

Se, no início do século 20, as pesquisas ainda buscavam desvendar o agente causador das doenças e, só então, os meios de como combatê-las, da década de 2000 até agora a biotecnologia e a construção de megafábricas permitiram um avanço histórico na pesquisa e produção de medicamentos.

O conhecimento sobre a imunização contra a varíola (variolação) é antigo e aproveitou as próprias feridas de pessoas infectadas. Mas foi apenas na virada do século 18 para o século 19 que começou a se espalhar a prática de usar um vírus mais fraco, a varíola bovina, para prevenir doenças humanas. A vacinação tornou-se obrigatória no Reino Unido em 1853.

No caso do sarampo, o vírus foi isolado em 1954 e, depois de muitos candidatos, uma vacina foi aprovada para uso em 1963, baseada em uma versão atenuada do patógeno.

Isso aconteceu, entretanto, em uma época em que os estudos de agentes infecciosos eram difíceis e os laboratórios muito mais rudimentares.

No caso do Sars-CoV-2, o vírus responsável pela pandemia Covid-19, a primeira notificação de casos suspeitos na China à OMS ocorreu em 31 de dezembro de 2019. Em 9 de janeiro de 2020, o novo coronavírus já tinha o nome, forma e composição biológica conhecida.

“Os procedimentos para avaliação das vacinas estão sendo cumpridos, mas de forma preliminar, com apenas parte da amostra. Se houver 10.000 voluntários, são analisados ​​dados de 2.500 que cumpriram um tempo minimamente aceitável, algo como três meses de um ou cinco anos. E isso faz sentido, afinal é uma crise de saúde sem precedentes nos últimos cem anos ”, explica Alexandre Barbosa, chefe de infectologia da Unesp e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Mas não é apenas o tempo de avaliação e aprovação por autoridades de saúde, como a Anvisa, que determina o tempo que uma vacina leva para sair.

Na verdade, é bastante complicado comparar o desenvolvimento de vacinas.

Existem doenças que alteram o organismo de forma muito complexa, atacando os mecanismos de defesa do portador, como é o caso do HIV, contra o qual se tenta produzir uma vacina desde os anos 1980.

“Não podemos misturar alho com sinos, não podemos comparar o novo coronavírus com o HIV, mas com um vírus respiratório, como a gripe [da gripe]”, diz Maurício Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina de Rio Preto.

“Em 2009, com a pandemia do H1N1, em poucos meses já existia uma vacina contra o vírus”, lembra o pesquisador.

Das vacinas anti-Covid-19 anteriores, o Coronavac emprega a mesma estratégia das vacinas contra a gripe. A técnica consiste em inativar o vírus – matá-lo, com calor ou tratamento químico – e injetar o vírus morto no corpo.

Normalmente, as vacinas de vírus inativados geram menos resposta imunológica do que as vacinas de vírus atenuados (uma vez que o patógeno não está no seu melhor). Essa tecnologia tradicional é a mesma usada para produzir vacinas contra raiva, poliomielite e gripe sazonal.

A tecnologia usada pela vacina Oxford / AstraZeneca usa um adenovírus de chimpanzé modificado.

É uma partícula viral que carrega um pedaço do genoma Sars-CoV-2, que faz com que o corpo, depois de vacinado, produza uma proteína do novo coronavírus, a partir da qual o sistema imunológico se arma contra uma possível nova infecção.

O trabalho estava em andamento há mais de 15 anos, após a pandemia de SARS, causada por um parente do novo coronavírus, Sars-CoV-1, em 2003. Como o vetor viral já existia, bastou trocar a parte material código genético correspondente.

É diferente da vacina contra a febre amarela, que exigiu muitos anos de pesquisa. A transmissão (mediada por mosquitos como os do gênero Aedes) começou a ser conhecida no final do século XIX.

O vírus foi isolado em 1927 (um grande feito) e, na década de 1930, o virologista Max Theiler e colegas conseguiram desenvolver uma vacina, após anos de esforço no cultivo e na mitigação do vírus. Por essas conquistas, Theiler recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1951.

Outro ponto a ser considerado, diz Nogueira, é que como conhecemos o Sars-CoV-2, sua sequência genética foi descrita, o que, anos atrás, poderia levar dias ou semanas.

“E então qualquer engenharia genética de quintal pode preparar vacinas. A parte clínica foi rápida, porque há muito dinheiro envolvido”.

As vacinas desenvolvidas pela Pfizer e Moderna (as mais eficazes relatadas até o momento), utilizam uma plataforma conhecida como vacina de RNA.

O material genético do coronavírus é feito de RNA. Ao empacotar apenas uma parte de interesse neste RNA (sem o resto do patógeno), é possível fazer o próprio corpo produzir a proteína viral e se preparar para uma eventual infecção.

O RNA, porém proveniente de organismos ou vírus diferentes, sempre tem mais ou menos o mesmo formato, e é uma molécula muito instável, degradando-se rapidamente no meio ambiente, não sendo capaz de integrar ou alterar o DNA do animal vacinado. Assim, não existia muito sigilo quanto à segurança dessa tecnologia. O emprego humano não tem precedentes.

O temor, na verdade, é que as vacinas não sejam capazes de ativar o sistema imunológico do indivíduo em um nível suficiente para gerar proteção. Felizmente, as doses, pelo que sabemos, funcionaram bem.

“Agora vamos precisar analisar as evidências do mundo real, para saber se a proteção das vacinas é a mesma dos resultados provisórios. Tem muitos efeitos colaterais que só aparecem na fase 4 da pesquisa [chamada de farmacovigilância], já na comercialização “, diz Barbosa

Um exemplo de efeito adverso encontrado foi a chamada reação anafilática à vacina Pfizer. Esta condição é grave, pode até impedir a respiração e requer tratamento médico imediato. Por causa desse risco, por menor que seja, a vacina não deve ser aplicada em pessoas com alergias graves.

“Não adianta olhar para a situação atual com a nostalgia do passado. Temos que ver o que temos hoje: tecnologia forte, recursos e a pandemia em curso. Nenhuma proteção de segurança foi violada até agora”, diz Nogueira.

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