Carta à minha filha que nascerá: todos os seus dias serão dias de luta – 07.07.2020

Minha filha, que emoção é escrever para você. Carregar você no útero nutre meu coração com amor, esperança, mas também com muita insegurança. Afinal, estou carregando outra mulher negra para este mundo e é por isso que queria prepará-lo.

Sei que parece exagero, afinal ainda estou no sexto mês de gravidez, mas você já conhece sua mãe. Estou ansioso e tão ativista que nunca descansa porque não tenho escolha. Tudo o que eu queria era não ter que discutir todos os dias! Mas o racismo e o machismo não permitem e me sinto compelido a sempre segurar meu punho, assim como você apareceu no último ultrassom.

Minha filha, saiba que você é linda! E é importante que você ouça isso de mim, seu pai, nossa família, porque muitas vezes o mundo fará você desacreditar sua beleza. O ponto é que, em meados de 2020, mesmo com tantas conquistas, o padrão dominante de beleza é o eurocêntrico. Não duvide de si mesmo!

Você é uma garota negra, tenho muito a lhe contar. Porque, mesmo na infância, você sentirá desconforto, dor e desafios devido à cor da pele. Sua mãe já lhe disse que moramos em um país racista?

Eles provavelmente procurarão apelidos depreciativos que o atingirão por causa de seus cabelos, cores e feições negras. Quando criança, ouvi dizer que era “negação de cabelos duros”, “nariz no qual um boi pousava”, “praga”, “filha de Tião Macalé”, “escrava” e, mesmo aos 39 anos, esses “apelidos” ainda são um eco em minha mente.

E espantado, sim, até hoje muitas garotas negras passam pelas mesmas coisas. E aqui já estou enfatizando a violência que sofremos por causa de nossos cabelos encaracolados. Você chega a um momento em que os cachos são sublimes, mas os cachos ainda estão associados à palha de aço.

A solidão de uma mulher negra

Você tem uma família que ama você, sim, você acaba de nos celebrar, mas sabe que o mundo é cruel e que mulheres como nós costumam ter a solidão como a primeira sociedade. A solidão de uma mulher negra pode ser experimentada nos primeiros anos de vida e nos acompanha até o último dia. Solidão afetiva, rejeição (de amigos a meninos em festas – e de gatos).

Mulheres como nós precisam de mais tempo para começar uma vida afetiva e sexual porque somos negligenciadas, ocultas. Somos uma prioridade apenas em tempos de desprezo. Para nos decepcionar, eles fazem linhas retas. Sua mãe já está gritando e usando a #representativenessimport, mas não fique chateada quando você liga a televisão, vai ao cinema ou ao quiosque e não se vê.

A população negra ainda é invisível, e veja, eu já te disse que temos muito progresso, certo? Sua mãe é alguém da mídia. Mas isso não significa muito. Não sou famoso, sou apenas alguém que conheço, cujas pessoas muitas vezes não sabem meu nome e duvidam de como me conhecem … acidentalmente pensei que me reconheceram por causa da TV e um homem branco, depois de me assistir, me perguntou se eu trabalhava no prédio onde ele morava. o filho dele. Essa pergunta pode parecer inocente, mas faz parte da minha rotina diária e ainda pode ser sua.

Ainda hoje, mulheres negras, como nós, estão associadas apenas a espaços de subordinação.

Aproveito a oportunidade para avisá-lo mais uma vez: eles podem se assustar com sua inteligência. Este! Eles fazem isso o tempo todo com a mãe. Porque eles ainda não estão acostumados a olhar para a mulher negra como produtora de conhecimento.

Veja, havia uma mulher negra da Bahia na NASA que decifrou o genoma do vírus Covid-19, apesar de ainda suspeitarem de nosso conhecimento intelectual e de parentesco. E aqui, quero pedir que você entenda que a universidade é muito importante para nós, mulheres, mas é exclusiva e não conta nossa história adequadamente.

Eles nos representam como seres animados. Você acredita, filha, que existem pessoas que se defendem de que os negros devem agradecer por serem escravizados? Vá para a academia, mas nunca se esqueça de descobrir quem veio na nossa frente. Somos um povo sábio, que ainda hoje usa a tecnologia de sobrevivência.

E por falar em sobrevivência, tenho que lhe dizer que você tem um irmão mais velho. Um garoto lindo, Aladê Koman, 12 anos, negro, carrega medos e, assim que aprender a falar, acredite que, mesmo que ninguém lhe ensine, em pouco tempo você poderá dizer para ele nunca sair sem documentos, para não correr quando fica na rua, evite sair à noite e quando a polícia se aproximar de você para falar devagar, mostre suas credenciais e explique que você é um estudante.

Não garante nada, mas suaviza. Este é um dos conhecimentos que apenas as pessoas com pele negra têm. Você vai aprender. De fato, seu corpo reagirá. Esse é um daqueles conhecimentos ancestrais que absorvemos ao compartilhar aparências.

Mas, filha, todo esse texto parece que mamãe quer assustar você, não é? Não é isso, quero que você chegue preparado, pronto para a batalha que vive aqui como uma mulher negra. E assim, antes de terminar esta carta, sinto-me obrigado a adverti-lo de outro aspecto crucial de nossa existência.

As mulheres negras são um alvo desejável de violência doméstica. Nós devemos combater o racismo e o machismo. Eles veem nossos corpos de uma maneira animada e hipersexualizada. Embora pareça mais seguro para seu irmão ficar dentro de casa, para você a casa pode ser um espaço de terror. Ou seja, 78% dos casos de agressão a uma mulher ocorrem dentro de casa e a violência foi causada por alguém da sua família, principalmente marido ou namorado.

Filha, você deve estar assustada, certo? Mas não fique, nós estamos organizados. Sua mãe aprendeu desde cedo que LUTO é um verbo que combinamos na primeira pessoa do singular, mas faz mais sentido quando estamos em um coletivo. E assim, eu aviso que mesmo depois de tudo isso, você pode vir, pode vir porque muitas pessoas estão lutando pelo bem-estar, pelo próprio bem-estar.

Venha Ayanna, a flor mais bonita, nomeada em homenagem à rainha africana, mas que nascerá nesta selva chamada Brasil. E sim, você terá que argumentar todos os dias, mas saiba que para as pessoas forjadas em amor e carinho é a única alternativa. Nossa existência é um ato de resistência! Bem-vinda!

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